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Cinema marginal para o ensino médio. Por quê?

Cinema Marginal designa, talvez não da melhor maneira, parte do cinema produzido no Brasil entre as décadas de 1960 e 70 e que tem por característica o uso de câmeras portáteis, a prática amadora,  a marginalidade em relação ao cinema industrial, o baixo orçamento e o auto-financiamento, o exercício experimental e uma relação irônica com os modelos cinematográficos.

Esta prática cinematográfica leva assim a uma outra estética que privilegia o experimentalismo em detrimento da teleologia que tanto o cinema hollywoodiano, quanto a televisão preservam em suas narrativas.

Na estética presente no audiovisual estadunidense (que prevalece com o amplo domínio do mercado nacional), a narrativa tende à significação unívoca, convencional, redundante. Assim, por exemplo, em parte representativa dos seriados policiais ou investigativos, cada peça de evidência leva a uma verdade única que é desvelada pelo processo. Tudo o que o espectador tem a fazer é acompanhar a trama de desvelamento. Essa estética pressupõe que atrelado a cada evento, a cada gesto, há uma significação única. 

De modo diverso, o experimentalismo do Cinema Marginal brasileiro implica em uma estética em que a descontinuidade se apresenta e os eventos não têm um fim ou uma significação determinada e única. A pergunta que permanece quando assistimos a estes filmes, gostemos deles ou não seria algo como “Mas que diabos isso significa?!”. É a própria relação de causalidade entre os eventos, sua lógica e significação que nos interroga.

Pois bem, acostumados com novelas, seriados enlatados e filmes hollywoodianos, nossos alunos e, sejamos francos,  nós mesmos (certamente não por escolha) desconhecemos parte importantíssima de um constructo cultural nacional relevante que poderá se constituir para nossos alunos e para nós – em conjunto e contradição com os produtos da indústria cultural – em oportunidade de prática de reflexão histórica.

Assim, o conjunto de posts que passaremos a publicar a seguir tem  propósito de fornecer aos interessados em seu conjunto, mas principalmente aos professores e alunos do ensino médio, estratégias de abordagem deste rico acervo da cultura nacional, bem como material auxiliar tais como: entrevistas, artigos, filme relacionados, etc.

Dizia Jairo Ferreira em seu belíssimo livro, “Cinema de Invenção”:

“Ser didático sem ser didático. Evidentemente para discorrer sobre a estética do experimental em nosso cinema é preciso muito engenho e muita arte, pois as suas origens são absolutamente incertas. Melhor assim: quanto menos história, mais poesia.”

Não com pouca frequência a história é colocada em oposição a arte. Se temos história é a arte que escasseia e vice-versa. Um primeiro desafio seria abordar o cinema com a história e não em detrimento desta. Apostando no princípio da montagem ao qual recorre Walter Benjamin (cujos limites, aliás, o Cinema Marginal testa, pondo a prova os princípios da narrativa clássica) a história que se aproxima deste objeto, desta fonte, deste documento ou do monumento que é este cinema, deve fazê-lo, tal como o montador, tal como o editor de cinema, que superpõe imagens, sons e palavras para criar significação. Esta aproximação não será fácil.

Benjamin capturou no “tempo homogêneo e vazio” da narrativa histórica a sua fonte opressora e reacionária. Os diretores do tal Cinema Marginal parecem ter capturado o mesmo problema na narrativa cinematográfica tradicional. Teremos aí nosso ponto de partida e nosso método (a montagem). 

O Bandido da Luz Vermelha, personagem filmado por Sganzerla, diz  no  filme: “Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha.” A tática irônica da esculhambação é conhecida de nossos alunos e podemos facilmente reconhecer nela uma resistência às práticas de poder que sustentam a estrutura escolar. Mais interessante que isso é que, de certa maneira, a esculhambação (hoje chamaríamos de esculacho) se constitui, por vezes, numa forma paródica das práticas de poder e, que,  neste sentido, as expõe, quase didaticamente. Assim, esse cinema nascido sob a ditadura empresarial-militar potencializa a reflexão sobre a relação entre narrativa histórica, tempo, estética e poder. É por esta razão que esse cinema não deve estar fora do alcance de nossos  alunos.

Texto publicado originalmente em 2014 no blog História e Narrativas Audiovisuais em 2014.

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